domingo, 14 de outubro de 2007

O "desserviço" da mídia a um importante debate

Luciano Huck foi assaltado.

Andando pelas ruas de São Paulo, sem carro blindado, com vidro aberto (ou fechado, que diferença faz?). Levaram seu Rolex de no mínimo 5 mil reais, apontando um 38 pra sua testa. Fiel contribuinte do erário público, dirigente de uma ONG, cidadão indignado, acreditou que seu caso comoveria todo o país. Tinha razão. Um assalto padrão (mas nunca banal, comum!) que acontece diariamente em todas as grandes cidades brasileiras destacou-se da multidão devido à expressão nacional da vítima.

Como dirigente de ONG e (sic) conhecendo a periferia como ninguém, ao escrever o artigo para o jornal tudo isso foi colocado de lado e quem falou foi o apresentador de programa de TV, celebridade, marido de estrela da TV , indignado por não poder andar livremente exibindo os paramentos típicos de quem tem sucesso na carreira profissional e é membro da elite econômica.
A cobrança de atitude por parte das autoridades procede e deve ser intensificada! Não deve morrer!

Quando a gente é assaltada, fica com uma sensação terrível de invasão. Num primeiro momento dá até vontade de encontrar os tias e matá-los lentamente. Mas com o tempo, o bom senso volta e não cometemos tal atrocidade. É isso que nos torna realmente civilizados: indignação, raiva mas não reação à la "olho por olho, dente por dente". A reação de Luciano, naquele momento do artigo foi tipicamente humana com o egoísmo característico da espécie. Como se solidarizar com a vida difícil e a falta de oportunidade de um "correria", quando ele acaba de apontar uma arma pra sua cabeça?

Mas ao escrever o artigo, esqueceu-se de sua posição de figura pública e de formador de opinião com a responsabilidade que isso acarreta. Seu artigo acabou trazendo à tona novamente algo que todos conhecemos bem: nosso país é socialmente injusto. Nem condições dignas de vida são ofertadas a quem não teve oportunidade de nascer numa família abastada ou não teve condições de ascender socialmente e mudar sua trajetória de vida.

A reação de Ferréz, ao dar voz aos "correria" polarizou o debate. Se vamos discutir a questão da violência, discutamo-la por todos os ângulos. Caso contrário, começaremos a olhar com olhos complacentes a validade da pena de morte, redução da maioridade penal, certa condescendência coma violência policial e a formação de milícias, o direito de porte de arma e à legítima defesa como ações naturais e consistentes de redução e eliminação da violência.

O fato é que, ao assumirmos uma posição, a favor de Huck, a favor de Ferréz ou a favor de qualquer outra opinião parcial, estamos reduzindo a discussão de uma questão bastante complexa e nos distanciando de uma solução real e definitiva.

As reações e manifestações negativas ao artigo de Huck foram inúmeras. Parte significativa da mídia tomou-lhe as dores. Mas têm feito um verdadeiro desserviço ao defender o direito da elite se indignar e se manifestar, como se o populacho lhes quisesse tirar isso. E utilizam isso inclusive para traçar um "retrato da sociedade brasileira", dividida em uma elite patriota e acuada por um povo vingativo, revanchista e sanguinário.

A mídia será mais irresponsável se insistir nessa linha argumentativa. Veja exemplo:


Aqueles todos que tentam tornam o debate bipolar, maniqueísta erram feio. A solução não está na condenação e nem na absolvição dos bandidos. Isso é certo: bandido --> cadeia.

Mas realmente todos que são bandidos vão para a cadeia? Banqueiros, empresários, políticos, celebridades, todos membros da elite dão exemplo contrário.

Por que ninguém da elite escreveu um artigo indignado nos jornais, cobrando das autoridades o roubo sofrido por desvios de verba municipais em caso bem conhecido?

Em tempo, alguém aí acha que alguém merece ser assaltado?

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