quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Mulher tem útero retirado por engano em hospital de Goiás

Erro médico.
Prática bastante difundida em boa parte do mundo, mas coibida severamente em poucos lugares.

Nos EUA, por exemplo, muita gente tem desistido de ingressar na carreira de medicina devido ao alto índice de punição e os severos desfechos de processos para erros médicos. A neurose é tanta que médicos costumam fazer seguro para erros médicos.

No Brasil, ao contrário, é extremamente difícil levar-se adiante processos contra casos de imperícia médica. A menos em situações gritantes como essa.

LEIA A SEGUIR:

O Conselho Regional de Medicina (CRM) de Goiás abriu sindicância para apurar uma denúncia de erro médico no Hospital Garavelo, em Aparecida de Goiânia (região metropolitana de Goiânia). A dona-de-casa Dorcelina Ferreira, 48, internou-se no último dia 21 de fevereiro para a realização de uma cirurgia de correção de períneo. Mas, ainda na mesa de operação, ela ficou sabendo que haviam lhe retirado o útero."Recebi a anestesia, mas fiquei consciente o tempo todo. E achei estranho quando senti que eles mexiam nas regiões das minhas costelas, próximo ao estômago. Foi então que perguntei e me disseram que estavam retirando o meu útero", conta, emocionada, Dorcelina. Mãe de dois filhos adultos (de 25 e 26 anos), ela se casou novamente há sete anos e há quatro havia iniciado o tratamento para ter mais um filho.O hospital informou que o responsável pela cirurgia foi o ginecologista Vanderlei Umbelino de Oliveira, que também é diretor clínico da unidade de saúde. A administradora do hospital, Eli Aparecida, disse à reportagem que o procedimento de retirada do útero da paciente teria sido uma decisão técnica do médico e somente ele poderia esclarecer a situação.
A quantidade de processos envolvendo erros médicos que chegaram até o Conselho Federal de Medicina (CFM) entre 2005 e 2006 (ano do balanço mais recente feito pela instituição) foi quase o dobro do total registrado na soma dos anos de 2000 a 2004. As denúncias são inicialmente recebidas nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e, caso não sejam resolvidas nestas instâncias, seguem para o CFM. Leia mais
CASOS NO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA CRESCEMProcurado pela reportagem, o médico Vanderlei Umbelino de Oliveira informou, por meio da administração do hospital, que se pronunciará a respeito do caso somente após ser notificado pelo Conselho Regional de Medicina. A administração informou que já abriu processo de investigação interna para apurar os fatos e verificar o que realmente aconteceu.O presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás, Salomão Rodrigues Filho, afirmou que ainda ouvirá a vítima do erro médico. "O primeiro passo será ouvir todos os envolvidos e estamos aguardando que a paciente que se diz prejudicada compareça ao CRM para nos informar a situação. Mas, independente disso, ainda que ela não nos procure, o caso será apurado", disse.Cauteloso, ele não quis revelar as possíveis sanções ao médico caso as denúncias sejam confirmadas. "Seria precipitado de minha parte falar qualquer coisa a respeito do resultado de um processo que acabou de ser aberto. Vamos averiguar os fatos, verificar o que aconteceu, como aconteceu para somente depois tomar as medidas cabíveis", concluiu.Célia Destri, advogada e fundadora da Associação das Vítimas de Erros Médicos, acredita que Dorcelina pode receber uma indenização baseada no exame histopatológico, que o hospital é obrigado a fazer após uma cirugia desse tipo. "Tudo que é retirado do corpo de um paciente deve ser analisado através deste exame", comenta Destri. Nele estará comprovado se o útero retirado era saudável ou não. Se o exame apontar que o órgão estava em plenas condições, Dorcelina tem direito à indenização; do contrário, o médico ou o hospital podem alegar que a retirada foi feita para preservar a saúde da paciente.Troca de prontuáriosA explicação mais provável para o erro seria a troca de prontuários. No mesmo quarto que estava internada a dona Dorcelina, havia outra pessoa com indicação para cirurgia de retirada de útero. "Acho que a troca das fichas é a única explicação. Tinha uma outra senhora lá que iria fazer a retirada. E quando já estava na mesa, a enfermeira deixou a minha ficha próximo à minha cabeça, à direita. E ele estava com uma outra prancheta e nem foi lá perto da minha cabeça", descreve Dorcelina, que acabou passando pelos dois procedimentos cirúrgicos: a retirada do útero e a correção de períneo (procedimento para reparar uma lesão entre a região do ânus e da vagina).Considerada uma cirurgia simples, a correção de períneo leva cerca de 40 minutos a 1 hora para ser realizada, segundo o ginecologista Eliezer Berenstein, consultado pelo UOL. Já uma cirurgia de retirada de útero, dependendo das complicações, pode durar mais de duas horas.A outra paciente em questão era a também dona-de-casa Rosália Pereira de Oliveira. Ela confirma que estava no mesmo quarto que a dona Dorcelina e que, mesmo estando internada para realizar o procedimento cirúrgico, acabou sendo mandada de volta para casa. "Se houve erro, eu não sei. Mas remarcaram a minha cirurgia e ainda continuo sentindo muitas dores e quero resolver minha situação o mais rápido possível", declarou.Investigação policialA família de Dorcelina registrou um boletim de ocorrência no 4º Distrito Policial de Aparecida de Goiânia. A delegacia não apura o erro médico, mas vai apurar o caso como "lesão corporal grave" (crime que prevê pena de reclusão de 2 a 8 anos)."Já ouvimos o marido e vamos ouvir a vítima (o depoimento estava marcado para esta quarta-feira, às 9 horas). Ontem (segunda-feira), tentamos falar com o hospital e enviamos um ofício para que o médico compareça para prestar esclarecimentos. No hospital, não nos atenderam e não tivemos qualquer retorno do médico", disse a delegada Cybelle Silva Tristão, responsável pelo caso.A delegada, no entanto, afirma que essa "relação diplomática" tem um prazo e que espera resolver a situação o mais rápido possível. "Esperamos que tudo seja esclarecido esta semana. Se até a próxima sexta-feira não houver o comparecimento do acusado, vamos procurar o juiz e solicitar a expedição de um mandado de prisão", afirma Cybelle. O Hospital Garavelo é uma instituição particular, de médio porte, e um dos maiores do município de Aparecida de Goiânia. A instituição também realiza diversos procedimentos através de convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS). Mensalmente são realizados cerca de 300 cirurgias no local, que disponibiliza de 100 leitos. Desses, 78 são disponibilizados para pacientes do SUS. Além de internação e cirurgia, o hospital também tem estrutura de atendimento de urgência e emergência.Abalada emocionalmente, a dona-de-casa recebeu alta no domingo e já está em casa se recuperando do procedimento duplo. "Quando me falaram o que estavam fazendo, disse de imediato que não estava lá para retirar o útero. Percebi que quando falei que era um erro, o médico levou um susto e começou a cochichar com o anestesista e com uma outra moça que estava na sala", conta a dona-de-casa.Decepcionada, ela disse que não sabe quais serão as atitudes que tomará. "Tenho 48 anos, mas estou muito bem conservada. Tinha sonhos e queria ter outro filho. Sabia que tinha condições para isso. Estava na fila de espera para fazer a inseminação. Mas agora que esse sonho acabou, eu não sei mais o que fazer.""Acho que isso tudo é uma falta de respeito com os pacientes. Quem mexe com esse tipo de serviço devia prestar mais atenção", desabafa o marido de Dorcelina, Gilberto Justos.

Sebastião MontalvãoEspecial para o UOL, em Goiânia*
*colaborou Gabriela Sylos, da Redação

Nenhum comentário: