terça-feira, 20 de novembro de 2007

Hoje é Dia da Consciência Negra. Feriado municipal em mais de 200 cidades espalhadas pelo país. Em São Paulo também é.
Por que não é feriado nacional? Porque é um feriado com alto caráter político, principalmente. A discussão que se abre na data de hoje em várias frentes tem esse viés político bastante pronunciado. Não é um feriado unânime, nem compartilhado por todos. Há um clima de desconforto no ar e não de regozijo. Mas é uma maneira institucional, aliada a tantas outras - como por exemplo os regimes de cotas e as ações afirmativas de inclusão em várias universidades pelo país - de forçar o debate, forçar a reflexão. A polarização a nenhum grupo favorece. Muito pelo contrário, pode delinear mais nitidamente os contornos do abismo que separa o país em classes, raças, credos, torcidas, partidos, gêneros.
Há que se refletir muito e caminhar igualmente. Essas ações são apenas bandeiras que devem sinalizar intenções maiores, de transformação. Reduzir o problema a isso é ignorar sua real dimensão. A discussão se reduziria a um roubo de um Rolex.
Sou totalmente a favor dessa transformação. Sou totalmente contra a se ficar num feriado, na definição de cota, em outras ações igualmente simbólicas. O dia da Consciência Negra, o dia Internacional da Mulher, o dia do Idoso, entre outros tantos, não podem ser encarados como conquistas, como resultados finais positivos de um processo. Mas como sinalizações de lutas ainda maiores que se descortinam no horizonte.
É muito sutil a diferença, e não sei quantos poderão me entender. Mas esses feriados específicos precisam não ser mais necessários.





São Paulo, terça-feira, 20 de novembro de 2007



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MARCOS NOBRE

A cor da consciência

A CONSCIÊNCIA negra é comemorada hoje em muitas cidades brasileiras. Seu significado é o de dizer que a raiz do preconceito e da discriminação está na imposição duradoura de uma cultura excludente e intolerante.
O anti-racismo tem diferentes respostas para o que deve ser a consciência negra. O fomento da cultura negra pode significar uma polarização política intransigente com a cultura dominante para se colocar em bloco como alternativa a ela. Como pode significar que a disputa é para transformar essa cultura dominante de tal maneira que ela seja obrigada a reconhecer e incluir negras e negros como protagonistas da história brasileira.
Os argumentos das duas posições são convincentes. Para combater uma cultura secular de exclusão pode ser que não haja outro caminho senão o confronto em bloco.
Como pode ser possível que haja espaço para impor o reconhecimento e a tolerância como critérios fundamentais de uma cultura compartilhada.
É uma decisão política estratégica optar por um caminho ou por outro. Em qualquer dos casos, o decisivo é a definição do que significa ser negro no Brasil. E cada posição propõe uma visão diferente do que seja a identidade negra.
O importante nessa discussão é que não se parta de definições prévias. Cabe aos próprios agentes desse processo encontrar as suas respostas e a maneira de fazê-las valer na discussão pública e na ação política.
Um instrumento importante para isso é o direito. Traduzir a consciência negra em direitos reconhecidos faz das normas jurídicas plataformas para transformações sociais. Mas, se a aprovação de novas leis é um importante começo, fazê-las valer é um processo longo e complexo. Também os tribunais são um espaço de disputa pelo sentido da lei. A aplicação de uma norma não é evidente por si mesma.
Como também não são óbvias e previsíveis as interpretações que surgirão do debate público e da disputa política.
Por isso mesmo é desejável que as leis atualmente em debate, principalmente o Estatuto da Igualdade Racial, procurem deixar o máximo possível aberta a definição da identidade negra. Quanto mais limitados os parâmetros legais, tanto mais estreitas as opções para as disputas políticas que se iniciam com a aprovação de uma lei. E tanto mais estreito o espaço para que essa identidade seja construída pelos agentes, tanto mais estreito o espaço para interpretações inovadoras e imprevistas.
Porque não apenas a consciência negra são muitas. Também o racismo a ser combatido tem sempre muitas e novas caras.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.

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