segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O fim dos cursinhos pré-vestibular. Será?

No domingo passado (30/09) o jornalista Gilberto Dimenstein publicou um texto onde analisa o fim dos cursinhos pré-vestibulares.
Sua afirmação é baseada, entre outros fatores, na divulgação recente de que a Universidade de São Paulo (USP) passará a realizar a partir do ano que vem(2008) seu processo de avaliação seriada, no qual alunos do Ensino Médio, desde o 1o. ano, passam a fazer avaliações cumulativas que lhe credenciariam a ingressar na universidade, sem a necessidade de vestibular e, portanto, dispensando cursinho preparatório. Além disso, Dimenstein defende que com o número de vagas em excesso no Ensino Superior privado, os vestibulares tornam-se mais acessíveis e os cursinhos recebem assim uma última pá de cal.

Os cursinhos pré-vestibulares realmente representam uma anomalia no sistema educacional brasileiro. Mas seu surgimento preenche uma grande lacuna deixada pelo Estado: educação pública de péssima qualidade nos níveis Fundamental e Médio. Considere-se também que o próprio ensino médio particular, devido à massiva disputa de mercado, também foi se sucateando e hoje também não cumpre o seu papel (algumas escolas nunca pretenderam cumpri-lo).

Veremos nos anos seguintes uma diminuição pela procura dos cursos das universidades mais concorridas, devido à expansão das universidades e centros universitários privados e sua oferta generosa de vagas. No entanto, a formação deficitária e questionável fornecida em muitos deles provocará um efeito rebote: alunos 'mal formados' ingressarão no mercado de trabalho, ou ao menos tentarão fazê-lo. Muitos não conseguirão suas primeiras colocações onde desejam, migrando para trabalho aquém da sua formação; outros não conseguirão construir carreiras qualificadas e voltarão aos bancos escolares em busca de complemento para sua formação, dessa vez em escolas de mais destaque.

As gerações posteriores deverão voltar seus olhares para as melhores escolas novamente, convencidas, pela experiência alheia, de que a escolha de uma boa escola universitária será decisiva na sua inserção e ascensão profissional.

O que veremos nos próximos anos, sem dúvida é um enxugamento do mercado de cursinhos. Mas seu "sepultamento" definitivo ainda está longe de acontecer uma vez que o acesso às melhores universidades ainda ficará vinculado a uma preparação de excelência proporcionada por uma boa escola média ou por um cursinho pré-vestibular sério.

Por outro lado, veremos surgir cursos preparatórios para os exames de avaliação seriada, em paralelo ao curso regular, obrigando a comunidade discente a uma "jornada dupla" escolar, como hoje já acontece com os preparatórios para o ENEM.

Essa "anomalia" só terá decretado o seu fim quando o ensino médio tiver qualidade em todas as suas expressões e o acesso ao nível superior abranger toda a demanda, eliminado a disputa por vagas e a alta concorrência. Caso contrário...

Em seguida o texto de Dimenstein.



Você compraria uma máquina de escrever?


A crise reflete tendências que vão além da educação; está em jogo a garantia de obter um emprego e prosperar nele

UMA DAS MUDANÇAS previsíveis do mercado de trabalho é o fim de uma profissão que, até pouco tempo atrás, oferecia um salário razoável e até mesmo produzia, em alguns casos, pequenas fortunas: professor de cursinho pré-vestibular. A perspectiva econômica dos cursinhos é tão animadora quanto a de uma fábrica de máquinas de escrever.
É fácil entender essa morte anunciada: em primeiro lugar, existe uma crescente oferta de cursinhos pré-vestibulares gratuitos; em segundo, na maioria das universidades privadas, o número de vagas é maior do que o de candidatos à sua procura; em terceiro, para entrar nas faculdades mais disputadas, já não basta ao estudante memorizar informações.
É necessário manejar conceitos que se vinculem a diferentes áreas do conhecimento, o que exige uma sólida formação do vestibulando.
A anunciada decisão da Universidade de São Paulo de implantar o vestibular seriado é mais um tiro, quase fatal, nos cursinhos. De acordo com esse sistema, o estudante faz provas em todos os anos do ensino médio e, no final, vale a média das notas obtidas.
A crise desse negócio reflete tendências que vão muito além da educação. Está em jogo, em essência, a garantia de obter um emprego e prosperar nele.


De tanto receberem críticas, os vestibulares foram, aos poucos, ficando melhores e agora trazem questões mais complexas, que envolvem diferentes disciplinas, conectadas a questões concretas. Um problema ecológico exige do estudante que ele discorra sobre biologia, química, física ou história.
Esse é o eixo do Enem, usado também para ajudar a selecionar jovens para as faculdades.
Note-se que as escolas cujos alunos apresentam bom desempenho nesse exame mostram, não por coincidência, um número maior de aprovados nos vestibulares dos cursos superiores mais disputados - nas escolas melhores, estão aqueles que, por razões familiares e poder aquisitivo, tiveram a chance de obter uma formação geral.
Quem quiser entrar no curso de direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, terá de mostrar conhecimento conceitual de arte, além de se submeter a uma dinâmica de grupo, na qual se testam a proficiência em argumentação, a aptidão para a liderança e a capacidade de trabalhar em equipe.
A polêmica decisão da Prefeitura do Rio de Janeiro de oferecer prêmios em dinheiro aos melhores alunos, anunciada na semana passada, faz até sentido, a considerar o conjunto de medidas de combate à evasão escolar, mas é quase como tentar inovar uma máquina de escrever -algo que, em se tratando de educação pública, ainda é apresentado como moderno.
E, se o "teclado" não funcionar bem, a culpa não é da escola nem do professor, mas do aluno.

Não é só o vestibular que força as alterações do currículo escolar. O mercado de trabalho se interessa por indivíduos com formação técnica, mas exige também que tenham a capacidade de enfrentar desafios, de empreender, de trabalhar em grupo, de renovar constantemente seus conhecimentos. Isso se vê, com clareza, nos testes para trainees das grandes empresas, nas quais, não raro, 3.000 candidatos lutam por uma vaga.
Não há executivo bem posicionado que não participe de algum programa de atualização. Já que se exige aprendizagem permanente para responder à velocidade das inovações, perdem o sentido a divisão de ensino por séries e notas, que, muitas vezes, medem o que se memorizou para a prova, não as habilidades para resolver os problemas. A nota é ainda reverenciada, como se viu na repercussão da medida anunciada, na semana passada, pelo governo de São Paulo da volta do boletim unificado.
Em geral, as notas não aferem, por exemplo, a habilidade de selecionar informações e aplicá-las no cotidiano. Em suma, pouco medem da auto-aprendizagem.

Pesquisas realizadas pelos mais diferentes veículos de comunicação vêm detectando nos jovens um comportamento crescentemente hiperativo diante das notícias, além de uma disposição não apenas de ver, ouvir e ler mas também de participar, ser co-autor (isso explica a multiplicação dos blogs).
Uma das melhores sínteses dessa atitude é, provavelmente, a Wikipedia, a biblioteca construída em conjunto por autores anônimos espalhados pelo mundo. Em meio ao encanto dessa múltipla autoria, no entanto, surgem denúncias de que tanta abertura acaba dando espaço a verbetes errados, em geral, fruto da influência clandestina de empresas e governos. Quanto mais informação, mais confusão.
Comunicadores e educadores enfrentam o mesmo desafio para que suas atividades tenham relevância: o de selecionar sempre com mais rapidez sem perder o rigor.
A escola de qualidade não será medida pelo número de informações que leva um aluno a memorizar, mas pela sua capacidade de ajudá-lo a selecionar e a associar dados e idéias, convertendo-os em ações. Da mesma maneira, os veículos de comunicação serão avaliados menos pela quantidade de suas notícias exclusivas -os chamados furos- do que pela aptidão de antecipar tendências. Antecipar tendência é a tradução da habilidade de olhar de ângulos diferentes e ver no presente aquilo que terá alguma relevância no futuro.
Do contrário, educadores e comunicadores terão o destino das máquinas de escrever ou dos cursinhos pré-vestibulares.

PS - Uma das melhores coisas que se pode fazer pela juventude e pela educação é a proposta do governo de SP, de oferecer cursos técnicos no ensino médio. Se sair do papel e se for bem executada, a medida vai ajudar a empregar os jovens e a tornar o ensino mais atraente.

GILBERTO DIMENSTEIN

Nenhum comentário: