domingo, 24 de fevereiro de 2008

Os dois Brasis

MAURÍCIO RANDS

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Visto por conservadores, um aparece sem rumo; outro, cada vez mais vivenciado pelos cidadãos, experimenta os benefícios do crescimento
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O VISITANTE que desembarcasse no Brasil e seguisse o noticiário sobre a CPI dos Cartões teria a imagem de um país em crise, mergulhado num espetáculo de desperdício do dinheiro público. Um outro, que procurasse conhecer o Brasil pelos seus indicadores econômicos e sociais, teria uma visão bem mais próxima do cidadão comum e da população em geral. De fato, no imaginário nacional, existem dois Brasis. Um, visto pelas lentes conservadoras de quem se pensava exclusivo artífice do progresso, aparece sem rumo e prisioneiro de "um populismo de expectativas reduzidas". O outro, cada vez mais vivenciado pelos cidadãos em seu cotidiano, experimenta os benefícios do crescimento com redução da pobreza e da desigualdade.
Nos anos do governo Lula, cerca de 20 milhões de brasileiros passaram das classes D e E para a C. O salário mínimo teve um aumento real de 42,8%. Mais de 11 milhões de famílias passaram a ter a renda mínima do Bolsa Família. O desemprego, de 8,2%, chegou ao seu menor nível nos últimos anos. Em 2007, foram criados 1,6 milhão de novos empregos formais. O mês de janeiro de 2008, com 142 mil novos empregos, bateu um recorde não atingido desde 1992. Cerca de 90% das negociações coletivas concluídas pelos sindicatos resultaram em aumentos acima da inflação.
Em 2007, a renda total dos trabalhadores expandiu-se 6,4%, o consumo das famílias, 5,9%, e as vendas do comércio varejista, 9, 9% . O total de créditos do sistema financeiro cresceu de 30,4% para 34,3% do PIB no último ano. O crédito para o financiamento imobiliário para pessoa física passou de R$ 11,7 bilhões em 2006 para R$ 19,2 bilhões em 2007.
O PAC está transformando o Brasil num canteiro de obras. São obras de infra-estrutura logística (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos), energética (hidrelétricas, térmicas, petróleo, gás natural) e social e urbana (Luz para Todos, urbanização de favelas, saneamento etc.). Das 2.126 obras monitoradas, 86% estão com andamento adequado, 12% exigem cuidados, e apenas 2% estão em situação considerada preocupante. Desde o governo Geisel, o país não tinha um plano de desenvolvimento estratégico desse porte. Os resultados começam a ser sentidos pela população tanto no emprego e no aumento do poder aquisitivo, quanto no bem-estar que começa a ser gerado pela melhoria das condições para a produção e para o consumo. A famosa placa "não há vagas" desapareceu do cenário. Pedreiros, mestres, técnicos e engenheiros começam a escassear no mercado de trabalho.
Há, porém, grandes desafios. A melhoria da qualidade dos serviços públicos, sobretudo educação e saúde, bem como dos padrões da gestão pública em geral, desponta em qualquer lista. A violência nas grandes cidades, alimentada pela impunidade, reclama uma atenção especial, embora já esteja em execução o Programa Nacional de Segurança com Cidadania. O sistema tributário, alvo de uma proposta que está sendo enviada ao Congresso, carece de simplificação, racionalização e diminuição da regressividade, para que se reduza e se distribua melhor a carga tributária.
A administração da Justiça precisa de urgentes reformas, para que a certeza jurídica e a celeridade na solução dos conflitos diminuam a impunidade que protege criminosos e corruptos. O sistema político-eleitoral está a merecer reformas que eliminem a influência excessiva do poder econômico, a falta de ação programática dos partidos e a baixa eficácia decisória das instituições. As desigualdades sociais e regionais aguardam mais avanços nas políticas emancipatórias de combate às discriminações contra trabalhadores, jovens, idosos, mulheres, negros, índios, homossexuais e pessoas com deficiência. Os bons resultados da economia comportam uma maior distribuição da renda a fim de partilhar com os trabalhadores os benefícios do crescimento. É chegada a hora de adequar a jornada de trabalho às 40 horas semanais praticadas na maioria dos países, além de outras medidas que tragam mais equilíbrio entre capital e trabalho.
Uma agenda propositiva nessa direção vai reclamar uma mudança de atitudes que potencialize a capacidade do Estado e da sociedade para implementá-la. Não é responsabilidade apenas do Executivo ou do Legislativo. O Judiciário, o Ministério Público, o empresariado e o terceiro setor podem participar de um esforço que tem tudo para ser viável. O Brasil pode, sim, no curso de uma geração, transformar-se em país desenvolvido e justo. Outros povos conseguiram. A depender tão somente de nós, a nossa hora pode ter chegado.



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MAURÍCIO RANDS , 46, deputado federal pelo PT-PE, é líder do partido na Câmara. Advogado e professor universitário, está em seu segundo mandato. Fez especialização em direito do trabalho na Universidade de Bari e mestrado e doutorado na Universidade de Oxford.

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